A minha experiência pessoal na “arte de secretariar”

A minha experiência pessoal na “arte de secretariar”

Entrei na Faculdade de Letras da Universidade do Porto muito jovem, para seguir a carreira docente. Paralelamente, resolvi tirar um curso de secretariado e inscrever-me no ALI – American Language Institute. Sempre gostei da vertente prática das coisas, e os conteúdos programáticos do meu curso de germânicas apesar de me darem uma bagagem cultural, não estavam adaptados à realidade. Concluí o curso de secretariado e o Instituto.

Em 1978 casei e fui para um continente bem distante de Portugal, onde a língua oficial era o francês. Tive de interromper o meu curso.

Corria o ano de 1982 quando regressei, depois de uma experiência inesquecível de que me alargou horizontes. Fiz novos amigos, oriundos dos mais variados cantos do mundo. Uma vivência multicultural que me enriqueceu como pessoa.

De novo em Portugal, com uma criança nos braços, tinha de arranjar um emprego. Decidi tentar a minha sorte numa grande empresa, que era considerada “uma janela para o mundo”. Com uma boa referência, deram-me a oportunidade de “demonstrar o que valia”.

Talvez estivesse ali a minha grande oportunidade. O 1.º objetivo era entrar nos quadros e depois ir definindo as minhas metas pessoais, subindo degrau a degrau.

No dia indicado, por coincidência, aniversário do meu filho, lá fui à entrevista, que foi breve. Função a desempenhar: “fazer embrulhos de natal” e “carimbar envelopes” de boas festas para enviar a clientes de todo o mundo…

Com humildade lá desempenhei a tarefa que me confiaram. Afinal, tinha conseguido alcançar o 1.º objetivo, ingressar numa grande empresa. Findo o 1.º mês, recebo um ordenado simbólico, mas estava tão feliz!…

Em janeiro deram-me a oportunidade de estagiar durante seis meses no Gabinete de Relações Públicas para ajudar nos preparativos de uma Cimeira internacional que iria ter lugar em maio de 1983, para a qual tinham sido convidados diversas personalidades dos países da ex-COMECON.

Tudo tinha de ser meticulosamente elaborado e os prazos cumpridos atempadamente. A cimeira teve um enorme sucesso, não fosse o anfitrião um Senhor de uma exigência e rigor fora do comum. Todos os pormenores eram importantes e os seus convidados tinham de ser bem acolhidos. Levá-los a conhecer Portugal de Norte a Sul e mostrar a boa hospitalidade portuguesa.

Terminado o estágio de seis meses, o meu trabalho viria a ser recompensado. O diretor do Gabinete de Relações Públicas informa-me que a partir de junho, deixaria de trabalhar com ele. O Presidente do Grupo queria que eu fosse sua secretária. Fiquei desamparada… a oportunidade estava à minha frente, mas estaria à altura de tão grande desafio!

Anos antes, tinha recusado um cargo invejável num grupo inglês, porque tive a consciência na altura, que não estava preparada para o desempenhar. A minha honestidade foi muito apreciada, mas desta vez não poderia desperdiçar uma segunda oportunidade.

A minha primeira reunião com o Presidente foi assustadora. Num quarto de hora fui “metralhada” com um batalhão de perguntas, e creio que não cheguei a responder a duas ou três, tal era a velocidade para poder assimilar tudo. Talvez fosse por isso que o apelidavam de “cérebro eletrónico”. Explicou-me onde iria ser a minha secretária, o seu gabinete e como tencionava decorar o espaço.

Era o início de uma relação de confiança, de respeito, de responsabilidade, de cumplicidade e amizade que iria perdurar por duas décadas e meia. Secretária do Presidente do Conselho de Administração de um Senhor com quem aprendi muito, com quem choquei por vezes porque as nossas personalidades eram muito fortes, mas como ele dizia “com bom senso, tudo se resolve”.

Acompanhar a dinâmica empresarial deste grande líder, com um entusiasmo contagiante era um desafio constante, que não dava descanso nem aos fins de semana e feriados…

Dizia-me muitas vezes que tínhamos de alimentar “uma insatisfação constante” para fazermos mais e melhor. Dava muito valor ao trabalho da secretária e dos secretários (office-boys). No meu gabinete formei cinco jovens secretários, que ainda hoje desempenham com orgulho a sua profissão.

Valeu a pena! Volvidos vinte e cinco anos no desempenho das funções de Secretária daquele Presidente deu-me uma experiência inigualável. Trabalhar na área diplomática, na Banca, Seguros, Imobiliário, Turismo, Agropecuária, entre muitas outras, foi muito enriquecedor. Ajudar a organizar eventos para acolher reis, rainhas, príncipes e princesas, chefes de Estado, embaixadores, políticos, religiosos – de tudo vivenciei um pouco.

Durante esse percurso, em 1984, no âmbito da banca, tive o privilégio de conhecer uma secretária que me marcou muito, a associada n.º 4, de nome Isabel Abreu – uma das sócias fundadoras da ASP. Uma Associação sem fins lucrativos, que pugnava e ainda hoje pugna pela dignidade da profissão de secretariar. A empatia entre as duas foi imediata. Partilhávamos o mesmo rigor profissional das responsabilidades que nos eram acometidas pelos nossos líderes, que não nos deixavam margem para erros.

Tornei-me sócia da ASP. Integrei os Órgãos Sociais da ASP no triénio 1993-1996 como secretária da mesa da Assembleia Geral.

Em 1990 o tema do Encontro Nacional da ASP, foi: «Secretariado Profissional – Que presente? Que futuro?». Contou com um painel de ilustres oradores: Eng. Belmiro de Azevedo, Dr. João Oliveira, Dr. Magalhães Pinto. Empresários e advogados que no seu testemunho, enalteceram e valorizaram a função da secretária. O encontro mereceu destaque na imprensa nacional. A ASP tornou-se uma referência na bolsa de emprego.

Em 2007 fui convidada a abraçar um novo projeto na área da Saúde. Passei de uma área empresarial privada para uma estatal. Comecei da estaca zero.

Uma burocracia incomensurável. Para pedir um lápis e um bloco era necessário fazer um requerimento. A velocidade estonteante a que estava habituada a lidar no meu dia a dia, em que tudo era para “ontem”, esbarrou com a lentidão e burocracia da máquina do estado. Felizmente que hoje já está melhor. Entramos na era da modernização digital. A pandemia COVID-19 acelerou ainda mais o processo.

Nada se conquista sem esforço, trabalho, resiliência, paciência, força de vontade e espírito de equipa.

Em suma, na arte de secretariar, há ingredientes que são indispensáveis: profissionalismo, sigilo, honestidade, integridade, ética, disponibilidade para aprender e reaprender, ter espírito de equipa, “saber ser” e “saber estar” em cada momento e estar sempre aberto(a) a novos desafios.

Gostar daquilo que se faz e nunca trair estes princípios, são garantia para o sucesso!

Maria José Pereira (Associada n.º 579)
Secretária de Direção da ASP